MÚTUO E ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL (AFAC):

distinções jurídicas, reflexos societários e tributários

Introdução

No âmbito do direito societário e tributário brasileiro, é recorrente a utilização de contratos de mútuo entre sócios e sociedades empresárias como forma de suprir necessidades financeiras da atividade empresarial. Todavia, em muitos casos, surge a possibilidade de reclassificação desses aportes na modalidade de Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC), instituto reconhecido pela prática empresarial, pela doutrina e pela jurisprudência administrativa.

O presente artigo tem por objetivo examinar as distinções conceituais e jurídicas entre mútuo e AFAC, bem como avaliar as consequências societárias, tributárias e contábeis da conversão de contratos de mútuo em aportes de capital futuro. O estudo parte da legislação civil e tributária, avança sobre a análise da jurisprudência administrativa (CARF/CSRF) e se detém na importância da correta formalização da operação.

O contrato de mútuo e seus reflexos

O contrato de mútuo é disciplinado pelos arts. 586 a 592 do Código Civil e consiste na entrega de valores por uma parte a outra, com a obrigação de restituição. Pode ser gratuito ou remunerado por juros, mas sua característica essencial é a exigibilidade da devolução.

Sob o ponto de vista contábil, o mútuo constitui passivo exigível, gerando endividamento formal da sociedade. Do ponto de vista fiscal, está sujeito à incidência do IOF, uma vez que configura operação de crédito.

Entre as vantagens do mútuo, destacam-se a preservação da liquidez do sócio, que poderá reaver o valor emprestado, e a possibilidade de remuneração por juros. Como desvantagens, a operação fragiliza o balanço da sociedade pela criação de dívida intragrupo e atrai custos fiscais adicionais.

O Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC)

Embora não previsto expressamente no Código Civil, o AFAC consolidou-se como prática societária legítima. Ele consiste em aporte feito pelos sócios, com destinação irrevogável e irretratável ao aumento de capital social, a ser formalizado em alteração contratual futura.

O AFAC pode assumir duas formas:

  • Irretratável, em que o valor aportado passa a integrar o patrimônio líquido da sociedade, sem possibilidade de devolução;
  • Retratável, em que se admite a restituição, mantendo-se a classificação no passivo, mas sem incidência de IOF.

Na modalidade irretratável, o AFAC fortalece o patrimônio líquido da empresa, melhora seus indicadores contábeis e facilita o acesso a crédito e investidores. Contudo, elimina a expectativa de devolução pelo sócio, que só poderá auferir retorno por meio de lucros futuros.

Distinção entre mútuo e AFAC na jurisprudência administrativa

A Receita Federal e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) construíram critérios para diferenciar o mútuo do AFAC. O Parecer Normativo CST nº 17/1984 e a antiga IN SRF nº 127/1988 exigiam, para afastar a caracterização como mútuo: (i) compromisso contratual específico e irrevogável de destinação ao aumento de capital; e (ii) efetiva capitalização no primeiro ato societário subsequente.

O CARF tem reiteradamente decidido que, na ausência de formalização adequada ou de destinação efetiva ao capital, a operação deve ser requalificada como mútuo, sujeitando-se à incidência de IOF. Por outro lado, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) reconheceu que o prazo de 120 dias previsto no PN 17/84 carece de amparo legal, de modo que a análise deve privilegiar a substância da operação — compromisso inequívoco e efetiva integralização — em detrimento de prazos meramente regulamentares.

Conversão de mútuo em AFAC: aspectos práticos e formais

A conversão de um contrato de mútuo em AFAC pode ser realizada mediante:

  1. Aditivo substitutivo ao contrato de mútuo, revogando cláusulas de restituição, juros e garantias, e inserindo cláusula de destinação irrevogável ao capital; ou
  2. Novo instrumento autônomo de AFAC, acompanhado de deliberação societária que reclassifique os valores.

Em sociedades limitadas, a conversão deve ser aprovada em reunião de sócios, registrada em ata ou alteração contratual, e levada à Junta Comercial. A contabilidade deve refletir a operação, transferindo os valores do passivo para o patrimônio líquido. Posteriormente, no ato de aumento de capital, os valores aportados como AFAC serão integralizados formalmente.

No caso de sociedades com sócio único, a conversão não altera proporções societárias, mas elimina a posição de credor do sócio em relação à sociedade, consolidando sua condição de investidor permanente.

Conclusão

A escolha entre o mútuo e o AFAC depende da finalidade da operação. O mútuo preserva a liquidez do sócio e garante a restituição do valor, mas implica endividamento e tributação. O AFAC, por sua vez, fortalece o patrimônio líquido da sociedade, afasta a incidência de IOF e projeta-se como investimento permanente, mas elimina a possibilidade de devolução dos valores.

A conversão de mútuo em AFAC irretratável mostra-se juridicamente possível e economicamente racional quando a intenção é consolidar o aporte como investimento definitivo na sociedade. Contudo, para que seja válida e não seja requalificada pela fiscalização, deve observar rigorosamente as exigências de formalização contratual, deliberação societária e registro contábil.

Assim, o AFAC irretratável apresenta-se como instrumento idôneo para reforçar a estrutura patrimonial da sociedade, alinhando-se às exigências normativas e à jurisprudência administrativa, desde que conduzido com segurança técnica e formal.

Carlos Augusto de Souza Santos, Advogado.